Após manifestações no Brasil, dezenas de vistos são negados e cidadãos alegam represália
- Vivo Migrações
- 4 de fev.
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"Problema não é isolado", diz profissional contatada por mais de 30 pessoas.

Nos últimos dias, diversos cidadãos brasileiros receberam notificações de indeferimento de seus pedidos de visto, logo após protestos em quatro cidades. A VFS, empresa responsável pelo processamento dos pedidos, estabeleceu um prazo até segunda-feira (03) para que os solicitantes apresentem uma última defesa e efetuem o pagamento da taxa de reapreciação, que tem um custo de quase 500 reais, valor que corresponde a mais de um terço do salário mínimo no Brasil. O principal problema relatado pelos requerentes está relacionado ao motivo do indeferimento.
O DN Brasil teve acesso a documentos que revelam um “padrão” nas negativas, em que se aponta a ausência de documentos solicitados. No entanto, e-mails trocados entre os requerentes e a VFS ou o consulado, também analisados pelo DN Brasil, demonstram que os solicitantes enviaram toda a documentação exigida e não receberam pedidos adicionais de informação.
Outro motivo frequente para as negativas tem sido a alegação de “reserva de alojamento fraudulenta”. Daniela Lago, operadora turística responsável por gerenciar reservas de acomodação em Portugal, afirma que recebeu mensagens de 30 pessoas que não são suas clientes, buscando orientações sobre as negativas ou notificações de intenção de indeferimento. Para ela, isso comprova que o problema não é pontual, mas afeta um grande número de solicitantes.
A profissional considera “especialmente preocupantes” as acusações de fraude, pois a VFS Global, empresa que gerencia os pedidos de visto, havia informado que as reservas poderiam ser alteradas ou canceladas. Segundo Daniela, essa orientação passou uma falsa sensação de segurança, pois, ao invés de pedirem novas reservas quando necessário, os pedidos foram diretamente negados sob alegação de fraude. Mesmo enviando declarações oficiais da agência de turismo explicando as alterações, assinadas e devidamente documentadas, os indeferimentos continuam sendo mantidos. Além disso, devido à demora na análise dos vistos, muitos solicitantes precisam remarcar as reservas e arcar com os custos adicionais.

Na última quinta-feira, Daniela enviou um longo e-mail à VFS manifestando surpresa e preocupação com as alegações de fraude. No documento, ela pede que a empresa revise os casos de indeferimento sob essa justificativa, com base nas provas que os requerentes estão dispostos a apresentar. Ela também solicita a adoção de critérios mais claros e justos para avaliar os casos em que ajustes nas reservas se tornam necessários devido aos atrasos na análise dos pedidos. Além disso, pede que as novas reservas sejam consideradas corretamente, em vez de serem automaticamente descartadas com base em informações desatualizadas.
Famílias separadas
Há meses, brasileiros que solicitaram vistos enfrentam incerteza e apreensão devido à demora na análise dos pedidos. Diversos casos de casais separados foram relatados, nos quais, mesmo tendo enviado exatamente a mesma documentação, apenas um dos cônjuges teve o pedido aprovado.
Foi o que aconteceu com Anderson Souza, que já se encontra em Portugal enquanto aguarda sua esposa. O casal fez o pedido do visto de procura de trabalho em agosto do ano passado, na cidade de São Paulo. Entretanto, apenas o pedido de Anderson foi aprovado, enquanto o da esposa permaneceu sem resposta até esta semana, quando ela recebeu a notificação da negativa. O motivo apresentado foi a ausência de documentos necessários. Em sua carta de defesa, à qual o DN Brasil teve acesso, a brasileira contesta a negativa, alegando que entre 13 de setembro de 2024 e 27 de janeiro deste ano não recebeu nenhum pedido de documentação adicional, mesmo tendo enviado diversos e-mails à VFS solicitando atualizações sobre o processo.
Na carta, ela enfatiza que faz o pedido do visto “com a melhor das intenções” e que possui todos os documentos exigidos por lei, incluindo comprovação financeira e certificado de antecedentes criminais. Anderson acredita que a negativa pode ter sido uma retaliação aos protestos, mesmo que sua esposa não tenha participado das manifestações.
Caso semelhante ocorreu com Tatiana Santos, que ainda está no Brasil, enquanto seu marido e sua irmã já moram em Portugal. Nesta semana, Tatiana recebeu uma notificação extrajudicial informando que seu pedido de visto foi negado por falta de documentação, sem especificar qual documento estava supostamente ausente. Ao responder ao e-mail questionando a ausência documental, foi informada de que não faltava nenhum documento. “Eu não entendi nada”, desabafa.
Tatiana já se desligou do emprego e vendeu sua casa e bens, reservando o dinheiro para a mudança. Mesmo assim, conseguiu reunir quase 400 reais para comparecer pessoalmente ao consulado, onde recebeu um documento alegando que estavam faltando “todos os documentos” obrigatórios. “Eu cheguei a chorar lá”, relata.
Ela também menciona casos em que, com a mesma reserva de alojamento para casais, um dos pedidos foi aceito e o outro negado. Além disso, menciona inconsistências no processamento dos vistos. “Já vimos casos em que um requerente recebeu a aprovação e, dias depois, a VFS ainda informava que o processo estava em análise. Em outra situação, um visto foi negado e, logo depois, a VFS enviou um e-mail desejando 'boa viagem' ao solicitante”, afirma.
Outra solicitante, que prefere não ser identificada e está acompanhando os casos, considera estranho que essa onda de indeferimentos tenha ocorrido logo após os protestos. “E ainda querem ganhar mais dinheiro com essa taxa de reapreciação sem fornecer explicações. As pessoas já estão com poucos recursos devido aos atrasos”, destaca.
Ela reforça que o objetivo do protesto era justamente acelerar a análise dos vistos, e não gerar um aumento nas negativas. Ainda assim, alguns requerentes optaram por não participar das manifestações por receio de represálias.

O DN Brasil entrou em contato com o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) e com a seção consular da Embaixada de Portugal em Brasília, mas não obteve resposta até o momento.
Fonte: Diário de Notícias PT
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