“AIMA cria imigrantes de 1ª e 2ª classes, e quem ganha são os advogados”, diz jurista
- Zero Studio
- 24 de out. de 2024
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Advogados cobram entre 1 mil e 1,5 mil euros para recorrer à Justiça e garantir atendimento a seus clientes na agência de migrações. Enquanto isso, os mais pobres são deixados para trás.
A incapacidade da Agência para Integração, Migrações e Asilo (AIMA) de atender os imigrantes em Portugal com a celeridade necessária resultou, segundo a jurista Beatriz Sidrim, na criação de cidadãos de primeira e segunda classes. De acordo com ela, os principais beneficiários desse cenário desolador são os advogados, que cobram entre 1 mil e 1,5 mil euros (aproximadamente R$ 6 mil a R$ 9 mil) para mover processos na Justiça, permitindo que seus clientes obtenham prioridade no atendimento. "Quem tem condições de pagar um advogado passa na frente, enquanto os mais vulneráveis, que não podem pagar, ficam para trás", critica Sidrim, destacando a enorme injustiça social presente nesse contexto.
A mesma percepção é compartilhada por Timóteo Macedo, representante da Associação Solidariedade Imigrante. Ele relata que existem casos de pessoas que, após apenas quatro a oito meses em Portugal, já possuem documentos, enquanto milhares de imigrantes aguardam atendimento pela AIMA há mais de dois anos. Para Macedo, o sistema, onde o dinheiro tem mais peso, está colocando muitas pessoas em situações difíceis, pois, sem documentação adequada, não conseguem empregos dignos ou acesso a serviços públicos. Ele defende que é necessária a intervenção estatal para mudar essa realidade.
Macedo, que no último domingo esteve no Alentejo em conversa com imigrantes que trabalham na agricultura, relatou situações preocupantes. Muitos desses imigrantes, que aceitam trabalhos temporários como plantio e colheita, acabam sendo abandonados nas ruas quando o trabalho termina, sem qualquer tipo de apoio. Aqueles que estão sem documentação são os que mais sofrem, correndo o risco de deportação com a possível criação de uma unidade de polícia de fronteira, cuja proposta está em análise pela Assembleia da República.
Até mesmo os advogados reconhecem que o despreparo da AIMA em atender os imigrantes — com cerca de 400 mil processos pendentes — alimentou uma indústria de ações no Tribunal Administrativo e Fiscal, o que pode comprometer o funcionamento da Justiça. Alfredo Roque, advogado da VE Consultoria Jurídica, exemplificou a gravidade da situação, informando que entre a tarde de 16 de outubro (quarta-feira) e a manhã de 17 de outubro (quinta-feira) foram protocolados 500 processos contra a AIMA. Segundo ele, há a possibilidade de um colapso no tribunal.
Timóteo Macedo também observa que os advogados se beneficiam dos dois lados da questão. Primeiro, defendendo os imigrantes que têm condições financeiras para processar a AIMA. E segundo, prestando serviços à própria AIMA, que contratou um escritório de advocacia para responder às demandas judiciais por um valor de 200 mil euros (cerca de R$ 1,2 milhão). "Está tudo errado", conclui Macedo, que está organizando um grande protesto para o dia 25 de outubro, em frente à Assembleia da República, em favor da volta da manifestação de interesse, um instrumento que permitia aos turistas em Portugal expressar o desejo de permanecer no país, mecanismo que foi extinto pelo governo.
Beatriz Sidrim defende que a AIMA deveria priorizar o atendimento aos imigrantes mais vulneráveis, algo que, segundo ela, poderia ser viabilizado por meio de associações que trabalham com esse público. O Governo firmou parcerias com algumas dessas entidades e, desde setembro, inaugurou 10 dos 15 novos centros de atendimento da AIMA. Com essa infraestrutura adicional, o Estado se comprometeu a eliminar a fila de espera até o final do primeiro semestre do próximo ano. Contudo, até o momento, os resultados práticos ainda são insatisfatórios, conforme reconhece a jurista.
Fonte: www.publico.pt
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